sábado, 13 de dezembro de 2008

O fantasma do 207

Nascida e criada em Copacabana, casei e me mudei pra Barra. Meu marido gosta e eu já trabalhava por aqui. Por que não tentar? Vim com três pés atrás, mas vim. Tudo pelo amor e pelo conforto de não precisar perder horas no trânsito. Descabelada, no dia da mudança, foi a bordo do elevador de serviço que conheci minha primeira vizinha. A cena foi surreal. A porta se abriu e eu, radiante com a vida de recém-casada, escancarei aquele sorriso ao me deparar com a loira bonita e séria. Não sei qual o truque dela, mas o fato é que nunca vi alguém encarar um sorriso tão de pertinho com uma cara tão impassível. Tive a impressão de estar literalmente sendo atravessada com aqueles olhos frios, azuis. Como se eu fosse a parede e ela, um fantasma.

Mas, tudo bem, dane-se a fantasma. Afinal, eu estava eufórica por adentrar minha primeira morada depois de trinta anos sob o teto maternal. O resto do dia foi maravilhoso. Só alegria. E quando chegou a noite, me arrumei para jantar fora. Com o marido à tiracolo, de banho tomado e vestindo uma roupinha melhor do que a saia de chita usada à tarde, lá saio eu do apê, agora pela porta da frente. Adivinha quem veio para o jantar! O fantasma do 207! Quer dizer, provavelmente a irmã gêmea que ainda não virou fantasma, porque só mesmo isso para explicar o comportamento da loira azeda. E não é que ouvi um "boa noite"? Recapitulando: a mulher que ignorou meu sorriso quando me viu desarrumada, no elevador de serviço, foi a mesma que educadamente me cumprimentou ao me ver sair pela porta da frente, quando constatou que eu era a dona da casa e não "mera" empregada doméstica??? Alooou!!! Que bicho mora nessa gélida lagoa azul? Senti que teria problemas...

Leia: O chevette entra no condomínio

O chevette entra no condomínio

O episódio de hoje se passa todo no carro, ítem indispensável para todo barrense que se preze. E tudo começa no dia em que o Chevette 93 chega ao Parque do Príncipe e da Rainha, digo, PQP - Prince's and Queen's Park. Meu carrinho querido, que todos os dias me trazia de Copacabana para meu trabalho em Jacarepaguá, virou emergente. É com ele que entro pela primeira vez na minha nova casa, agora não mais na condição de dona do imóvel fiscalizando as obras, mas sim como moradora.

Já tinha entrado no condomínio com esse carrinho umas três, quatro vezes. E ainda mais umas dez outras vezes de carona no majestoso Ford Fusion do meu marido. Mas não. O porteiro teve que me parar do lado de fora da minha morada para me encher de perguntas. Qual o meu bloco, apartamento, vaga de garagem, placa do carro, código renavam, cpf, identidade, signo, cor dos olhos, opção sexual... As mesmas perguntas que já havia respondido num formulário que nos deram antes de virmos morar aqui. Um formulário não explica o que essa ET veio fazer aqui dirigindo um Chevette velho, não é mesmo?

Como dessa vez não tinha piscina para mergulhar, o planeta Barra, digo, Terra, finalmente despertou a ET para a vida. Indignada, comecei a esbravejar dizendo que ele fazia todas essas perguntas só porque eu dirigia um carro velho, que isso nunca aconteceu quando eu ou o meu marido estávamos no Fusion, e por aí vai. Parecia uma louca, enfurecida. Ele se assustou, disse que era o procedimento, e eu acabei desistindo da minha guerra solitária. Será que um dia ele vai desconfiar o quanto é ridículo, justo ele, uma pessoa que não tem dinheiro nem para comprar um Chevette velho, justo ele, desconfiar assim de mim? Ora, ele não sabe o quanto esses "procedimentos" não entendem de pessoas? Que pessoas pobres como ele são muito menos perigosas do que os políticos milionários andando em seus carrões ou os filhinhos de papai espancadores de doméstica? Eles têm mais dinheiro que a gente, claro. Afinal, quando eles roubam, a quantia não é brinquedo não. Dá para comprar vários parques de príncipes e rainhas...
E, então, finalmente consigo entrar, estacionar e ir para meu lar, doce lar. Agora só me faltava rezar para ser recebida pelo mesmo porteiro no dia seguinte. Já pensou ter que responder às tais perguntas tudo de novo?

Leia: O fantasma do 207

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